Tuesday, April 21, 2009

Por vezes há momentos...

Por vezes há momentos em que olhamos uma frase sem a conseguirmos absorver. As palavras entram, são lidas em modo automático, a velocidade de cruzeiro, e desaparecem tão natuyralmente como entraram, sem deixar rasto nem sinal. Relemos a frase, palavra a palavra fazendo de cada vez um esforço maior para entendermos o sentido, mas as palavras entram mudas e saem caladas, e nada fica no espaço que possamos usar para lhes darmos sentido. se ao menos um cheiro, uma ligeira fragância que fosse, um simples risco ou um mero sinal de luz que nos induzisse algum pensamento mais lógico e desenvolvesse o sentido da frase. Mas nada. Elas entram, passeiam-se brevemente nos circuitos cerebrais como se se tratasse de um descontraído passeio de Domingo à beira mar, ou num campo de prados verdes ao som da brisa e dos pássaros que passam, e nada deixam para trás. Nem sinal de vida, nem marca por mais indelével que fosse.

Por vezes há momenros em que tentamos mudar o sentido do que não vemos, daquilo que queremos mas o corpo não sente. As pálpebras descaem criando uma cortina escura mas tão apetecível e reconfortante. E ao forçarmos a entrada de luz, deixando a porta aberta para que as desejadas palavras nos entrem na alma e nos falem de si, sentimos o peso do corpo a abalar-nos a vontade, o querer saber mais, aprender mais, ou simplesmente despachar um trabalho. O peso torna-se insuportável. Perante a impossibilidade de gerir o esforço e tornar útil o tempo, sentimo-nos frustados, fracos, vencidos pelo cansaço, pelo corpo que pede o descanso que lhe negamos, ou simplesmente pela detestável preguiça. Lutamos incansáveis pelo sentido das palavras, por esse significado evidente e oculto, que nos impele a tentar uma e outra vez, pesando-nos cada vez mais a dor do esforço mental, em que as frágeis pálpebras se tornam bigornas, e o querer saber mais, aquela vontade de entender e fazer algo que queremos e precisamos, não passa de um Golias prostado na lama após dura mas fracassada batalha.

Por vezes há momentos em que lutamos derrotados. Seja pelo cansaço ou pelo simples hábito perdido no tempo, ou na indesejada mas tão saborosa preguiça, lutamos contra algo que por vezes é tão mais forte que nós e que nos derrota vergonhosamente. Dizemos que não, que somos mais fortes, e que a vontade supera tudo. Mas enganamo-nos redondamente. Debatemo-nos por ideiais e vontades que provavelmente nem existem no nosso íntimo. Esforçamo-nos por objectivos sem sentido, e gastamos toda uma vida em actividades esforçadas e de sacrificios para nada. O corpo sabe muito, sabe exactamente o que quer e precisa. A mente sabe o que quer e onde pode chegar. E nós só temos de nos esforçar por ouvir e entender o que precisamos fazer e quando o fazer. De nada nos vale lutar e sacrificar energias nesses momentos, em que esse esforço será inglório, e só nos fará perder a oportunidade de recuperar forças para a batalha seguinte. Há batalhas que não valem a pena lutar. Há batalhas perdidas, em que mais vale ficar quieto, e gozar do descanso ou da preguiça golosa. Renovem-se as forças e fortaleça-se a vontade, o querer, e logo as palavras passarão sorridentes, assinando o livro de visitas, e tudo fará sentido de novo. por vezes descobrimos que apenas o que falta é mudar a nossa perspectiva, ou a nossa mentalidade. As batalhas passam a ser ganhas, deixa de haver suor perdido, somos recompensados pelo esforço, e o corpo encontra o seu lugar certo, a mente desenvolve as suas ideias, e o trabalho resulta no sucesso desejado...
...e merecido.

Sunday, April 5, 2009

Olhos no Horizonte

Não tendo mais o mar como pano de fundo da minha antiga varanda, passo a inspirar o meu olhar nos montes lá longe que se intrometem entre a minha vista e a linha do horizonte, e que ocultam o derradeiro raio de luz neste fim de dia.

Olho esses montes, e pergunto-me como será transpô-los num salto, o que encontrarei para além deles. Não é difícil descobrir, difícil é fazê-lo num salto. Mas pondo-me a caminho encontro gentes e aldeias, culturas várias e fábricas variadas, casas em ruínas e abandonadas e novas casas que albergam famílias e solitários seres que caminham por este mundo.

Vejo nalgumas caras o espelho da alegria de um dia bem passado, assim como as esperança pelos dias que aí vêm, mas em muitas outras a expressão da indiferença de mais um dia como qualquer outro que passou e de todos os que hão-de vir, ou o dissabor de tempo passados e o descrédito pelos dias que se avizinham.

Vejo as crianças a correr na brincadeira alheias às crises que se anunciam, e os adultos em conversas de grupos às portas de casa ou do café central. À passagem olham curiosos, como quem tenta descortinar quem é o desconhecido que por ali passa, para logo depois voltarem à sua conversa do dia.

Vejo campos de cultivo e campos abandonados. Vejo os pássaros em bandos e as flores a virarem-se na direcção do vento, formando ondas de cores ao longo dos prados.

Vejo muito abandono e descuido pelas terras, algum mau gosto em muitas das casas, algum lixo abandonado nas ruas e ruínas que resultam do desleixo. Vejo pobreza, umas de carteira e outras de espírito. Vejo descontentamento e falta de esperança, e pressinto a falta de vontade de viver em tantas expressões vazias que vislumbro. Mas olhando com mais atenção, vejo mais verdade e sobriedade que na cidade grande, vejo mais calor humano e harmonia, e a alegria que vejo parece-me tão mais consciente e sincera que os múltiplos sorrisos amarelos e risos estridentes e vazios que sinto tantas vezes nas multidões citadinas.

Olho para aqueles montes lá longe, e relembro os campos, as gentes e o tempo que nos dão para um dedo de conversa sem pressas. Sinto a alegria da partilha dos pequenos momentos, e o sabor e o cheiro das coisas da terra.

Alguns dizem que o campo é um pasmo, um atraso de vida, ignorância concentrada e colecção de mexericos e mal dizer. Sim, existe, e nalguns casos até bastante. Mas o que dizer da indiferença das cidades, das correrias desnecessárias, da ignorância das verdadeiras coisas, da felicidade superficial e sem sentido, das vidas vazias e de falsas aparências, do anonimato de toda uma multidão, da falta de tempo para uma palavra amiga, e até da falta de verdadeiros amigos?

Há de bom e de mau em todo o lado, cidades e campos. Há verdadeiros amigos e momentos de felicidade em qualquer local. Só temos de estar atentos, respeitar cada lugar no seu natural estado de alma, e tirar o melhor partido das suas qualidades. Viver o que temos, que é o melhor que há.

E no momento, até àqueles montes lá longe, campos repletos de mato e cultivos de vinha, árvores de fruto e prados de flores, com pequenos aglomerados de luzes de casas habitadas nas entrelinhas dos horizontes, são o melhor que saboreio e respiro deste meu jardim com esta vista larga e deslumbrante, até onde o céu se esconde lá longe correndo atrás do sol e deixando um rasto de pequenas estrelas salpicando o profundo azul.